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Os beija-flores em nosso jardim

     Meu fascínio por essas aves começou por volta de 1982. Nessa época eu colecionava plantas do gênero Bougainvillea, cujas flores davam um colorido singular ao nosso jardim. As floradas espetaculares nos incentivaram e a coleção chegou a possuir mais de 70 variedades diferentes.

     Eu e minha esposa tivemos, desde crianças, um convívio intenso com plantas, pois para quem morou no Norte do Paraná por volta dos anos 1950/70, isso era comum. Quase todas as famílias moravam em casas com quintais grandes, geralmente bem arborizados. Nossos pais também eram entusiastas de plantas e flores e deles recebemos essa herança.

Ao nos dedicarmos às atividades de jardinagem, além das plantas, tínhamos igual interesse pelos insetos e aves que dividiam conosco seu espaço. Portanto, não poderíamos ter deixado de notar o aparecimento dos beija-flores.

 

Anthracotorax nigricolis (male)

No começo, foram alguns indivíduos esporádicos, atraídos provavelmente pelo colorido intenso das floradas das mais de cem Bougaivilleas que circundavam nossa casa. Porém, notávamos que após inspecionarem algumas poucas flores, simplesmente iam embora e não voltavam. Parecia não gostarem do que encontravam. Por que isso acontecia? Por que outras flores nos arredores os atraiam mais?

     Qual seria o segredo que os beija-flores guardavam com relação à escolha das suas flores? As pessoas que consultamos naquela época pareciam não saber ao certo, então buscamos a resposta nos livros e, também, fizemos nossas próprias experiências. Aos poucos compreendemos que existem flores que os atraem e outras para as quais não dispensam muita atenção. Portanto, o que é um jardim exuberante ao nosso olhar pode para essas aves ser como um deserto estéril, em contrapartida, o terreno baldio adiante pode ser uma área de fartura.

      Nosso conceito de jardinagem foi mudando e começamos a substituir as Bougainvilleas de floradas espetaculares por outras plantas, digamos, não tão exuberantes. E assim, priorizamos os beija-flores. Nosso quintal nunca seria tão grande a ponto de comportar tudo o que queríamos plantar. Plantamos muitas espécies nativas e algumas “ervas daninha”, reabilitadas em nossos conceitos.

     Recorremos também aos bebedouros com água açucarada para atrair e manter nossos pequenos visitantes, o que acabou dando certo. Inicialmente, fizemos a alimentação artificial com certo conflito, pois tínhamos dúvida que fosse saudável para as aves. Com estudos e observações sistemáticas, constatamos que podíamos agir com segurança em relação aos beija-flores, o que trataremos com mais detalhes adiante.

       Assim, os beija-flores entraram para a nossa vida e temos nos dado bem desde então. Olhando pela janela, nos muitos momentos em que escrevia estas linhas, via-os em seus voos rapidíssimos e mesmo agora, fechando os olhos, tenho a impressão de ainda ouvir seus piados e trinados. Para observá-los melhor, fizemos alguns pontos de alimentação em nossa varanda com os bebedouros, onde em finais de tardes de verão temos até uma centena de beija-flores juntos, fazendo seus malabarismos em voo, nas constantes perseguições aos competidores ou alimentando-se.

Durante o ano, registramos a ocorrência de muitas espécies diferentes em nosso jardim. Algumas dessas aparecem esporadicamente em seus voos de migração e outras praticamente “moram conosco”. 

Hylocharis chrysura inspecionando a flor de Bougainvillea spectabilis (Nyctaginaceae).

 Nosso jardim tornou-se mais dinâmico e somos frequentemente surpreendidos por esses minúsculos visitantes. Sempre tenho esperanças que um novo visitante chegue ao nosso jardim.

      Considero essa diversidade de espécies muito significativa para uma região onde a agricultura é intensiva e não nos restam mais florestas intactas. Alguns pequenos capões de mata muito espalhados e, geralmente, em fundos de vales são o que nos resta da outrora exuberante mata nativa. As espécies de beija-flores que hoje convivem conosco se adaptaram à vida nas cidades. As flores das praças públicas e jardins particulares fornecem parte da sua alimentação. A presença de humanos não os intimida e em comparação, a maioria das outras aves são mais esquivas. É muito mais fácil aproximar-se de um beija-flor do que de pardais ou sabiás.

     Acima, Hylocharis chrysura inspecionando a flor de Bougainvillea spectabilis (Nyctaginaceae). O gênero dessa planta engloba muitas variedades, todas muito utilizadas em ornamentação de jardins. A variedade de cores é muito atrativa e as floradas são intensas, porém os beija-flores não as apreciam. Após uma breve inspeção, as abandonam. Talvez apanhem alguns insetos que se abrigam nas flores. Note que essas são tubulares e estão entre as três brácteas de cor roxa. Mesmo a Bougainvillea arboreus, uma espécie nativa nas nossas matas e que chega a atingir de 10 a 15 m de altura, não é atrativa para essas aves.

Ao lado, Heliomaster furcifer e flores da Solanum mauritianum (Solanaceae). Esta planta nasce de sementes trazidas por outras aves, pois seus pequenos frutos são muito apreciados por elas. Cresce em áreas abandonadas e suas flores são bastante procuradas por abelhas, mas os beija-flores também as aproveitam ocasionalmente.

Heliomaster furcifer e flores da Solanum mauritianum (Solanaceae).

Existe um lugar além da janela

onde os pássaros se parecem com flores.

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